O sistema tradicional de pagamentos está num momento crítico, dado o surgimento de métodos alternativos e um novo foco na experiência do consumidor. Para permanecer competitivo, as consultorias Capgemini e Accenture acreditam que bancos e cooperativas de crédito precisam revisar seus modelos de negócio e adotar uma estratégia de parcerias dentro de um ecossistema.
As previsões pessimistas sobre o papel das instituições financeiras no sistema de pagamentos devem ser levadas a sério. A dominância secular dos bancos em pagamentos está sob ataque, e o impacto disso pode ser significativo.
Alguns relatórios que focam em pagamentos mostram um cenário de rápida transformação competitiva com bancos e cooperativas de crédito cientes dos desafios, porém ainda na defensiva. Isso se explica pela relutância em mudar modelos lucrativos de negócio, bem como preocupações relacionadas à segurança de dados, entre outros fatores.
Um aliado inesperado: reguladores financeiros preocupados com o número crescente de players não bancários no setor de pagamentos, bem como com o impacto de padrões conflitantes de empréstimo. Outro aliado é o crescimento de fintechs que mais e mais instituições-legado reconhecem como parte da solução.
Os desafios são cada vez maiores. A Capgemini revela em seu World Payments Report 2019 que transações não monetárias cresceram 12% globalmente no biênio 2016-2017. A firma de consultoria prevê que o volume total de pagamentos não monetários alcançará US$ 1 trilhão em 2022, representando uma taxa de crescimento anual composta de 14%. Os Estados Unidos ainda são responsáveis por grande parte dessas transações, com US$ 147 bilhões em comparação à Europa e seus US$ 80 bilhões, e à China e seus US$ 65 bilhões. Mas o crescimento nos Estados Unidos foi de apenas 5% no biênio 2016-2017, em comparação com 35% da China no mesmo período, impulsionado pelas carteiras mobile Alipay e WeChat Pay.
As plataformas chinesas de pagamento e e-commerce não fizeram incursões significativas no mercado norte-americano até agora, mas já estão crescendo muito na Europa e na África, normalmente via parcerias com empresas regionais.
A Accenture publicou um relatório que prevê que fornecedores bancários tradicionais podem perder até US$ 280 bilhões de receitas de pagamentos para concorrentes não bancários até 2025.
“Estamos frente a uma realidade de pagamentos instantâneos, invisíveis e gratuitos, o que significa problemas para bancos que não querem ser relegados à operacionalização de pagamentos”, disse Gareth Wilson, especialista em pagamentos globais da Accenture. “Mas também representa uma oportunidade para lançar um novo modelo de negócios baseado no mercado digital.”
Em seu relatório, a Capgemini destaca muitos desafios potenciais às instituições financeiras tradicionais – entre eles, os temores de concorrência das gigantes de tecnologia, e a desconfiança sobre o open banking, mesmo em países onde ele vigora como lei.
Muito mais complexidade nos pagamentos atuais
Quatro fatores principais criaram um ambiente concorrencial e operacional complexo para bancos e cooperativas de crédito tradicionais, segundo a Capgemini:
Tecnologias emergentes – entre elas: APIs (interface de programação de aplicativos), tecnologia de ledger distribuído (DLT, a base do blockchain), inteligência artificial, e soluções de banco-como-serviço.
Gigantes da tecnologia: firmas como Amazon, Google, Microsoft, Alipay e Apple estão buscando formas adicionais para alavancar seu poderio tecnológico.
Complexidade regulatória leva à conformidade fragmentada e a diversos sistemas e esquemas. Ação regulatória coordenada, no entanto, poderia reduzir as iniciativas de não bancos.
O crescimento das expectativas do consumidor cria um desafio para os provedores tradicionais de serviços bancários. “De modo geral, novas moedas, esquemas de lealdade, e penetração de carteiras geram uma experiência de consumidor integrada no mercado varejista”, diz o relatório.
Como resultado dessas tendências, surgiram novas formas de pagamento, e outras mais estão em desenvolvimento ou em estágios iniciais de adoção.
Expandindo o escopo de pagamentos no varejo
Chirag Thakral, líder de inteligência de mercado e serviços financeiros da Capgemini, comenta sobre três tipos emergentes de pagamento que bancos e cooperativas de crédito devem conhecer:
Comércio conversacional e pagamentos instantâneos: com a adoção crescente da IoT (internet das coisas) e assistentes digitais como Alexa (Amazon), Siri (Apple), Google Assistant e Cortana (Microsoft), consumidores podem organizar suas operações de pagamento em segundo plano. Ainda não está popularizado, mas é provável que seja a nova tendência de 2020 em diante, acompanhando a adoção de assistentes de voz.
Pagamentos invisíveis: exemplos mais notáveis disso são Uber e Amazon, que simplificaram a experiência de pagamentos, realizando-os em segundo plano.
Pagamentos open banking em lojas. Como exemplo, se você recebe uma conta com solicitação de pagamento em seu celular, e você valida e faz um pagamento instantâneo desde sua conta bancária, um intermediário TPP (pagamento via terceiros) é necessário para direcionar sua instrução ao banco em um contexto PSD2/open banking.
Open Banking pode ser a resposta, mas sua aceitação é lenta
Para algo com um nome tão inofensivo, “open banking” não conquista o apoio de muitas instituições financeiras, muito menos de clientes. Os últimos se preocupam em compartilhar dados financeiros com terceiros. Os primeiros também se preocupam com isso, mas, principalmente, com perder o controle da relação com seus clientes.
Apesar disso, Anirban Bose, CEO da unidade de serviços financeiros e estratégia de negócios da Capgemini, afirma inequivocamente que “bancos eventualmente terão que aceitar as práticas de open banking para garantir viabilidade e sucesso dentro do novo ecossistema de pagamentos.”
No presente, todavia, a adoção do open banking permanece baixa, diz Bose no relatório, mesmo com regulações na Europa, Reino Unido, Singapura, Austrália e outros lugares exigindo que instituições financeiras compartilhem dados de seus clientes com terceiros, com o consentimento dos clientes. Instituições sujeitas a essas regulações estão cumprindo requerimentos mínimos, e nada mais que isso, relata Capgemini.
“Em um cenário ideal, diz o relatório de Capgemini, com adoção sem fricção de iniciativas de open banking, os bancos podem emergir como um instrumento para todas as necessidades dos clientes – muito além das necessidades bancárias e financeiras tradicionais.
As instituições financeiras reconhecem o potencial de – e mesmo a necessidade do open banking, porém o estudo concluiu que iniciativas nesse sentido ocupam o terceiro lugar nos orçamentos de transformação digital das instituições.