Adote uma cultura transformadora por meio de uma fábrica digital

Rogério Marques

01 junho 2017 - 14:42 | Atualizado em 29 março 2023 - 17:42

Pessoas trabalhando em computadores dentro de um escritório

Construir uma cultura digital pode ser a questão mais difícil para uma empresa. Usar uma “fábrica digital” é uma maneira de realizar tal feito.

Em grandes empresas, o uso da digitalização na melhoria de processos – seja na experiência do consumidor ou em processos internos variados – tem maximizado a receita, aumentado a lealdade/confiança do consumidor, e reduzido drasticamente os custos internos. As melhores empresas, todavia, fazem mais que só implementar tais jornadas: elas as reinventam de modo sistêmico.

Como muitas empresas estão constatando, ir além de um ou dois projetos piloto requer um esforço coordenado na adoção de uma nova forma de trabalho. Uma abordagem que funciona consistentemente é estabelecer o que chamamos de fábrica digital.

Como a sua contraparte de tijolos, uma fábrica digital une as habilidades/competências, processos e recursos requeridos para produzir resultados de alta qualidade, normalmente, sob a forma de jornadas, uma série de interações com foco no cumprimento de uma tarefa. Elas podem incluir uma nova forma de ajudar os consumidores a resolver questões de serviço ou, no caso de um banco, por exemplo, o processo de aplicação de uma hipoteca. A fábrica modela uma nova forma de trabalho para o desenvolvimento de novos produtos, os quais são, então, introduzidos e integrados no negócio como um todo. Ela usa metodologias avançadas, como design thinking, reengenharia total de processos e agilidade no desenvolvimento de software.

A forma como a fábrica funciona é definida por um conjunto de diretrizes e metodologias padronizadas de operação que estabelece os resultados/entregáveis requeridos, as medidas de governança e os processos de trabalho – tais como quais decisões podem ser feitas pelos líderes das fábricas e quais requerem escalonamento para outros níveis corporativos. O objetivo é o equilíbrio entre a previsibilidade estruturada requerida para transformar uma grande organização, e a flexibilidade e agilidade requerida para um mundo digital em constante mudança.

Essa abordagem permite às grandes organizações incubar uma nova cultura e um modelo operacional digital enquanto permite que o negócio como um todo sinta a mudança, vendo o poder de uma nova forma de trabalho. O processo de introdução de uma nova forma de trabalho, e de integração ativa de novos produtos em negócios existentes – o que, por sua vez, incita as pessoas a adotar novas formas de trabalho para incorporar o novo produto – é um esforço consciente de mudança da cultura de uma organização inteira.

Quando bem executada, a fábrica digital oferece um modelo para o futuro do trabalho, o que estimula o negócio e empolga os funcionários. Ela cria um movimento forte de inovação e criatividade que atrai os melhores talentos de dentro e fora da organização. E ela entrega resultados. As melhores fábricas digitais podem lançar um novo produto ou experiência do consumidor em menos de 10 semanas. A inovação pode, então, ser introduzida e escalonada dentro do negócio de 8 a 12 meses.

Companhias que adotam essa abordagem precisam adotar tanto uma cultura que incorpora a nova forma de trabalho como práticas administrativas que lhe dão suporte.

Uma nova cultura

Identificamos diversas exigências para a cultura de uma fábrica digital de sucesso.

Aja como capitalista de risco: adotar a abordagem do capitalista de risco à fábrica digital significa rapidez no processo decisório com base em objetivos e critérios claros. Se um caso de negócio (business case) para financiamento de cada jornada levar meses para ser aprovado, a fábrica digital não funcionará. O financiamento inicial de um produto (uma jornada de consumidor ou um processo interno, por exemplo) deveria ser baseado em uma boa ideia ou caso básico – não diversas rodadas de análise. Mas a equipe de projeto precisa mostrar progresso quanto ao cronograma para conseguir obter mais financiamento.

O gerente da fábrica digital e o proprietário do negócio juntos controlam os indicadores-chave de desempenho, trabalhando com a equipe para avaliar e ajustar o programa de acordo com os resultados. Se o projeto for aprovado, ele é aplicado ao negócio, e os líderes da fábrica redirecionam os fundos para novos produtos. Se, por outro lado, a nova jornada ou processo não conseguir alcançar suas metas dentro do período estipulado, então a liderança terá de finalizá-lo.

Em uma importante instituição financeira americana, o financiamento inicial é direcionado ao scoping sprint – um processo de uma semana que define KPI e objetivos de negócio, e constrói um caso de negócio para o investimento na jornada. Se o financiamento for aprovado, um produto minimamente viável (MVP) deve ser construído em quatro semanas. Se ele se provar exitoso, o negócio para o qual o produto está sendo desenvolvido oferecerá financiamento adicional.

Atraia os talentos criativos: as fábricas digitais requerem profissionais que estão em alta demanda e, com frequência, em baixa oferta em grandes setores, tais como designer de experiência do consumidor, designer de aplicativos mobile, coaching de desenvolvimento rápido, analista de informações e mais. E habilidades técnicas não são o único requerimento; as fábricas digitais também precisam fomentar uma mudança de mentalidade em direção a uma forma de trabalho mais experimental e colaborativa.

Atrair pessoas com esses atributos pode ser difícil. Você pode ter de pagar mais para criar uma massa crítica inicial. Você terá de construir uma proposição de valor consistente, mostrando aos novos contratados que terão de trabalhar em um ambiente empreendedor, ágil e criativo que é muito diferente da TI tradicional. Algumas pessoas recrutam “âncoras” influentes cuja representatividade na comunidade digital convencerá outros que trabalhar em um banco, digamos, pode ser legal. Investir em talentos internos também é importante, é claro.

Colocar funcionários para trabalhar com talentos da fábrica digital, apontando veteranos para liderar os programas de treinamento levará algum tempo para gerar resultados. A fábrica digital, todavia, requer que as empresas invistam em treinamento de funcionários nessas áreas, sendo complementada com talento externo.

Para tratar dessa questão, uma instituição financeira internacional estabeleceu uma sala de guerra de contratação. Percebendo que precisava atrair novos talentos, ela adotou uma abordagem não convencional: recrutamento sob a marca da fábrica digital em vez da sua, realização de eventos na comunidade tecnológica; uso de redes de contato dos novos contratados para encontrar outros talentos; e busca no Linkedin para localizar o tipo correto de talento. Além disso, a instituição verificou o funil de talentos, analisando quantas pessoas estavam sendo identificadas e entrevistadas para as vagas, e quantas delas tinham aceitado uma posição. Frente a isso, identificou áreas de baixo interesse do processo e, constantemente retrabalhando as práticas para melhorar a o desempenho de contratação.

Construa esquadrões de equipes de trabalho: o sucesso na fábrica digital depende da capacidade de reunir um pequeno grupo de pessoas (geralmente, de 8 a 12) com o conjunto correto de habilidades complementares para trabalhar em um dado projeto. Às vezes chamados “esquadrões”, essas equipes incluem normalmente designers de experiência do consumidor, desenvolvedores, arquitetos de TI, e scrum masters que controlam/gerenciam a equipe.

Dependendo do projeto, tais times podem ser complementados com outros profissionais, tais como especialistas em dados, advogados e especialistas em compliance. Qual seja a composição da equipe, ela precisa estabelecer linhas claras de comunicação com outros grupos por meio da organização e aceleração de processos. Por exemplo, comprar o produto de um fornecedor normalmente requer uma verificação e aprovação legal/jurídica, que, às vezes, pode levar muito tempo para resolver, o que reduz o progresso da equipe. Os membros-chave do esquadrão pertencem à fábrica digital, mas trabalham com os donos do negócio pela duração do projeto. Eles deveriam também se conectar com frequência com outros esquadrões em projetos relacionados para coordenar e disponibilizar os recursos necessários.

Modele a colaboração em seu espaço de trabalho: o espaço que um negócio dedica à fábrica digital é importante. A empresa deve criar um ambiente que indique que o trabalho feito lá será inovador, quebrando paradigmas. Tal foco pode ser crucial na atração de novos talentos. Acima de tudo, o espaço deve fomentar a colaboração entre os membros da equipe, ao oferecer espaços em que as pessoas possam se reunir para ter uma conversação espontânea multidisciplinar, que induz à criatividade. Isso significa sofás e áreas de lazer que criam uma experiência startup. Você não pode dizer às pessoas que elas estão reinventando a sua organização se trabalharem em um lugar que exclama “negócios como sempre”.

Um grande banco europeu dedicou um andar inteiro de seu novo escritório à sua fábrica digital, investindo na criação de um ambiente colaborativo. Arquitetos eliminaram gabinetes/armários entre mesas de trabalho, adicionando painéis móveis que agem como divisores entre equipes diferentes e facilitam a introdução e acesso a recursos visuais como fluxogramas e storyboards. Eles também criaram áreas informais com sofás, mesas de pingue-pongue e espaços de lazer, tudo planejado para facilitar o relaxamento e o diálogo entre as pessoas. O banco credita essa abordagem ao sucesso na construção de uma nova cultura de colaboração ativa e contínua.

Práticas gerenciais

Uma cultura não pode ser estabelecida, prosperando por conta própria. Práticas gerenciais específicas precisam ser instituídas para lhes dar apoio. Aqui seguem algumas que constatamos ser as mais efetivas:

Construa com um propósito claro: empresas são compostas de múltiplas funções. Quando uma empresa embarca na transformação de seus processos internos e jornadas do consumidor, ela primeiro precisa decidir se seu objetivo primário é reduzir custos, aumentar receitas, aumentar a satisfação do consumidor para vencer a concorrência ou alguma outra coisa. Ao estabelecer o objetivo, a administração pode priorizar o trabalho que precisa ser feito. Qualquer grande empresa terá diversos projetos de transformação digital em sua lista de prioridades, então é vital que os gestores concordem quanto à prioridade. Sem alinhamento, as jornadas tornam-se ingerenciáveis.

Uma equipe em um grande banco europeu desenvolveu um conjunto de prioridades iniciais e repetidamente interagiu com a administração. Ao final do processo, a administração concordou com um planejamento de 40 jornadas-chave do consumidor que foram priorizadas de acordo com seu impacto potencial tanto no negócio do banco (P&L) e suas habilidades digitais (automação). Flexibilidade foi inserida no próprio processo. O planejamento é revisado a cada seis meses, adequando-se às mudanças nas prioridades do negócio.

Invista o suficiente para gerar impacto: velocidade pela qual a empresa pode digitalizar e escalar suas jornadas-chave dependerá muito de quanto ela está disposta a pagar. Níveis de investimento abaixo de certo patamar não permitirão que um negócio recupere o valor total de uma fábrica digital na velocidade do mercado. Esse patamar depende de vários fatores, mas qual seja o caso, temos visto que líderes digitais fazem investimentos significativos na digitalização. Um banco passando por uma transformação digital está investindo de 1 a 13% de sua receita anual. Determinar quanto investir em uma fábrica digital depende da aspiração da empresa e seu nível de maturidade tecnológica. Um diagnóstico para avaliar o que está em jogo e o que é necessário é um bom primeiro passo.

Desenvolva um plano de mudança empresarial para incorporar um novo produto ao negócio: uma das fases mais complicadas da mudança é o processo de integração de um novo produto ao negócio. Não importa quão boa seja a solução, as pessoas precisam querer e saber como utilizá-la. Na verdade, isso se tornar um desafio de mudança a nível gerencial.

Para solucionar tal impasse, gerentes e o departamento de TI precisam estar envolvidos desde o princípio. A TI deve conhecer o que está sendo produzido na fábrica digital, configurando sistemas que apoiarão novas jornadas e processos. Entrementes, gerentes não só precisam apoiar o programa financeiramente, mas também com pessoas de suas áreas-chave, de modo que apostem na solução inovadora.

O processo de transferência de maior êxito começa com o lançamento e teste de um PMV (produto viável mínimo) para coletar feedback dos donos da empresa e demonstrar o impacto potencial. A implantação do produto requer comunicação clara e contínua, assim como um plano de treinamento detalhado para assegurar que todos os envolvidos saibam o que se espera deles. Como muitas pessoas “aprendem fazendo”, o treinamento prático é importante, junto com a disposição de interagir constantemente. É crucial que o dono do negócio recompense o novo comportamento baseado na colaboração, no sucesso do produto e na satisfação interna.

Avalie a mudança: se o objetivo de uma organização é sistematicamente mudar a sua forma de trabalho, mantendo o controle sob o que está acontecendo, seus sistemas de mensuração precisarão evoluir, começando com os KPI (indicadores-chave de sucesso). Métricas não tradicionais focadas na adoção digital – tais como novos registros de consumidores em canais digitais ou níveis de engajamento digital para com uma linha de produto ou serviço particular – são, normalmente, mais úteis que as métricas tradicionais como ROI na medição do progresso da transformação digital.

As melhores empresas estão usando seus sistemas de gestão para colher os dados gerados por empregados e processos de modo a criar relatórios acessíveis que medem o progresso da organização em tempo real. Quando se fala de sistemas de gestão de desempenho, o objetivo não é tanto a avaliação em si, mas o feedback que guia suas ações e leva a resultados melhores. Quaisquer que sejam as métricas, a gerência precisa concordar com elas desde cedo, de modo a avaliar o andamento dos processos, identificando áreas que possam a vir a necessitar de sua decisão.

Encontre líderes com a combinação correta de habilidades: os executivos que gerenciam a fábrica digital devem ser vistos como críveis por outros líderes organizacionais. Eles devem ter conhecimento aprofundado do negócio, seus produtos e processos, e os sistemas que lhes dão suporte. Algumas fábricas digitais têm dois líderes, um que entende profundamente o negócio, e outro que conhece as tecnologias e o funcionamento interno dos sistemas de informação. Esses líderes também tem que receber suporte ativo da hierarquia – CEO, CFO, CIO, COO e outros gestores importantes.

Esses executivos devem estar preparados para mover montanhas pelos líderes da fábrica digital e para resolver desafios ao longo do caminho. Essas dimensões são chave na compreensão do que uma cultura digital deveria ser, e como cultivá-la de forma que tenha raízes em todas as áreas da organização. A diferença entre melhorias básicas e reinvenção verdadeira dependerá de como o negócio implementará os passos mencionados.

Artigo original: “Scaling a transformative culture through a digital factory
Autoria: Rohit Bhapkar, Joao Dias, Erez Eizenman, Irene Floretta, and Marta Rohr

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